Enfadado do vazio existencial, fui ver quinquilharia na lojinha de 1,99. Escolhi duas caixinhas de incenso, um pointer de led (que veio com defeito, inclusive), quatro pilhas palito e um pacote de jujuba.
Distraído do estresse e satisfeito de futilidade, me dirigi ao caixa. Enquanto eu tentava pagar, uma tia chegou de fora da loja, encostou no balcão e começou a gritar pra atendente:
— Mocinha, o que vocês tem do Brasil, hein?…. mociiiiinhaaaaa…
— Pode entrar, senhora, dá uma olhada ali.
— Mas o que que tem? Hein? Hein? Bandeira eu já tenho, você tem corneta? Tem corneta?
— Entra, senhora. Tem chapéu, tem confete, pode ver alí, ó...
— Ah, chapéu? Me deixa ver o chapéu! Me deixa ver o chapéeéu!
A distinta senhora lembrava um pouco o piu-piu, se o personagem fosse um projeto fracassado de socialite estricnado de valium com rebite.
Enquanto ela se distraia tirando selfies com o chapéu de plástico verde-amarelo, tentei pagar minhas compras, mas infelizmente ela me notou:
— Ai, moço, que que é isso, hein?
— É incenso.
— Ah é? E como usa? Você usa pra que?
— Você queima a ponta dele e aí aromatiza o ambiente.
— Ah, mas não fica muito forte não? Você coloca dentro ou fora de casa?
— Depende, minha senhora. Eu, no caso, coloco em casa, enquanto trabalho, porque eu fumo.
— Ah, você trabalha em casa? Que interessante! O que você faz?
— Várias coisas, dona. Eu sou revisor, escrevo…
— AAAAAAAA!!!!! Nossa, mas Deus é mesmo muito bom! Deus sabe o que faz! Eu estava justamente precisando de um escritor!
(Aí você se pergunta: em que cenário do multiverso existe a chance de alguém, ainda mais numa lojinha de bugiganga comprando fantasia de impítima, PRECISAR de um escritor?)
— É que, sabe, eu estou escrevendo um livro também...
— É mesmo, é? Sobre o que?
— About my life! Minha história e minhas opiniões sobre as coisas.
— Huuuummmm…. bacaaaaaaana….
— E eu já tenho quase tudo pronto aqui, na minha cabeça, agora só falta saber colocar no papel.
— Bom, eu posso tentar lhe ajudar de várias maneiras, com planejamento, leitura crítica, revisão, ghost writing…
— Ah, ótimo! Me dá seu contato!
— Vou te passar meu e-mail e…
— Não não não, me dá seu whatsapp! Agora é tudo no whatsapp, melhor até que o facebook. Aí eu coloco seu nome lá no livro, como colaborador, e…
— Olha, minha senhora, acho que está havendo uma confusão. Eu trabalho com isso, são serviços…
— AAAAAAAAhhhhhhh… Mas o senhor cooooooobra? Pra ler um liiiivro? Ai, não sei… é muito caro? Porque eu também fiz faculdade, eu sei escrever, e você já vai ganhar o crédito, né?
— Quer saber, dona? Tem razão, você não precisa de mim nem de ninguém. Compra um incenso, vai pra sua casa, se tranca no quarto e escreve tudo about your life, que eu tenho certeza que vai ser um sucesso enoÓoÓoÓoÓrme. Agora, se você me dá licença...
Quando estava saindo, ainda ouvi ela grunhir pra a atendente da lojinha:
— Creeeedo, por causa de gente assim que o país tá essa vergonha….
Comments