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TEXTOS

  • Plínio Zuni

Um poema & um desabafo para o dia das mães

Ah, dona Ana… Todo ano, nesta data, me pergunto que mulher você seria se não tivesse sido uma mãe… Que castelos ergueria se não fosse prisioneira em sua própria casa? Como seria a sua risada sem as piadas perversas do meu pai? Sem teu monstro-marido, ao seu lado teriam ficado quantos mais amigos? Será que, em feriados como este, você sairia pra dançar? Pra onde viajaria se não estivesse cativa na cozinha? A que alturas voaria sem a âncora que arrastava tua estima na lama? Qual seria a cor do seu vestido sem tantas manchas de lágrima engordurada? Me entristece pensar em como, desde que te conheci, o avental já tornara-se seu traje mais natural. Ah, minha mãe… Que saudade eu sinto de te dar parabéns nesta data… Mas hoje, quando penso nos cartões decorados com glitter e guache, nos colares de macarrão e cinzeiros de argila que fazia com tanto carinho na escola primária, sinto uma tristeza imensa, e penso que aquelas recompensas talvez fossem apenas mais um escárnio ante o teu pesado fardo de mãe. Afinal, se não fosse esta vida imposta ao teu ventre, você ainda viveria pra passar desapercebida por mais um dia das mães?



 


mamãe tirava o destino nas cartas buscava nas runas um guia em sua guerra lia sua aura como quem olha pro céu e prediz o trovejar ofertava à fogueira seu cálice e atame celebrava o sabbatt de beltane pedia em quechua proteção à pachamama e consultava Nossa Senhora até pra fazer bolo (só não pagava dízimo em moeda, porque também não era besta nem nada) mi madre gitana consultava os oráculos esperando encontrar nas estrelas um mapa pra contornar as tormentas diárias com que o universo lhe testava. porém, infelizmente, a tomada de perspectiva histórica; a aplicação da dialética materialista; o acúmulo da teoria crítica; e a prática empírica do pão pisado pelo diabo que aquela profetisa engolia como hóstias indubitavelmente nos levam a crer que minha mãe querida foi uma vidente consideravelmente estrábica








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1 comentário


Carolina Rosignoli
Carolina Rosignoli
20 de jul. de 2022

Sempre que leio sobre sua mãe me emociono. Hoje, como você bem disse na dedicatória poderosa que deixou na minha cópia do seu livro, sou uma mãe também; somos todas bruxas, nós, mães, e por compartilharmos o fardo, o amor, o medo, a onisciência das mães, gostaria de poder te responder que valeu a pena tudo isso pra você poder existir. Toma aqui um abraço de mãe.

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