Talvez seja a sombra de pirâmides e faraós, tanto passado e tanta imortalidade, que dá um peso diferente ao Egito.Talvez seja a multidão, os milhares de carros e motos, pessoas na rua vendendo pão e bugigangas aos observadores da vida desocupados sentados nas calçadas fumando seus narguilés.Talvez seja só a impressão de um estrangeiro colonizado por preconceitos e utopias que não entende a língua e a vida dessa gente e desse lugar.
No Cairo, as urgências se dissolvem em cafés e narguilés, homens sentados solitários soltando fumaça e vendo a vida que passa sem passar, jogando gamão e comendo com a mão o pão com feijão e fumaça das motos que passam e voltam apressadas nas vielas apertadas em que se espremem as esperanças e esperas de um povo que ri e se angustia com uma revolução que deu manchetes nos jornais, poemas e sangue nas praças e mesquitas e terminou exatamente onde começou.
Talvez seja só a confusão de um utopista com a constatação do óbvio: o Egito não é a Palestina.
No Cairo, dissolvo-me na multidão. Aqui não sou um ativista, uma rota de fuga pra mensagens e histórias que batem de frente com muros e militares sionistas.
Na Palestina havia um porquê em cada manhã. Lá as pessoas viam, nas câmeras e cadernos estrangeiros um caminho por onde contrabandear sua voz e sua história. Aqui sou só um estudante gringo com alguns dólares no bolso pra perder em papiros e miniaturas de esfinges.
Não há, na Palestina, monumentos e museus que lutem contra o tempo e a invisibilidade de um sistema colonial. As pedras que aqui se empilham em pirâmides lá são escombros cobrindo o chão sob buldozzers e botas que marcham, matam e negam. Por mais que Hollywood tente embranquecer e europeizar os Reis e deuses africanos do Nilo, ninguém tentará negar os milênios que se acumulam nas paisagens e historiografia egípcia. Enquanto isso, o passado palestino sobrevive nas vozes do presente. As histórias, poemas e canções constroem e reconstroem uma memória roubada e escondida. Palestinos precisam reconstruir dia após dia seus ancestrais da mesma maneira que fazem com as casas destruídas pelo exército israelense. Talvez por isso o tempo corra diferente aqui. Lá, o tempo é feito de urgências, e cada novo assentamento, cada novo pronunciamento racista de um governo colonial, cada novo metro de muro sufoca a ideia de futuro, e cada dia é uma urgência real. No Egito o tempo é vasto, e existe muito passado pra que se tema pelo fim do futuro.
No Cairo é fácil sentar e assistir o jogo de futebol de hoje esperando o jogo de amanhã. A certeza do amanhã não se oblitera pelos tanques de guerra cercando a Praça Libertação.
As pedras palestinas voam, enquanto que as egípcias permanecem. Lá, as pedras servem ao povo anônimo,rostos escondidos sob lenços. Aqui, as pedras servem à turistas, se amontoam em túmulos de reis de rostos estampados em camisetas e cartazes de agências de viagem.
Talvez seja a clareza do inimigo que torna a luta da Palestina tão evidente. Aqui, o opressor não vêm de fora, não fala outra língua, não declara seu ódio e racismo em tribunas da ONU com anuência da CNN e dos donos do mundo. Aqui, revolucionário e repressor se confundem na rua, no rosto, no nome, na família e no discurso de um mesmo amor pela mesma terra com pontos de vista diferentes.
O tempo é preguiçoso, grande e lento no Egito, majestoso e vasto demais pra caber nos anseios de uma juventude perdida entre revolução e tradição. Na Palestina o tempo emagrece nas greves de fome, nas prisões, bombardeios e esmolas de ONG’s ineficientes e ativistas ineficientes que escrevem em suas pranchetas, teses acadêmicas e blogs inúteis.
No Egito, a paciência é uma virtude. Na Palestina, é uma fraqueza.
Ou talvez seja só eu que não saiba lidar com o deserto de tantos ontens e amanhãs.
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