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TEXTOS

  • Foto do escritorPlínio Zuni

Sentir-se em casa


Essa semana fez um ano que eu e a Thiara mudamos aqui pro aparelho.

Nesses 31 anos eu já mudei de casa 15 vezes. Já morei sozinho, com família, com desconhecidos, com amigo do peito, amigo da onça, namorada, gente de esquerda e de direita, com playboy e fodido. Cheguei a morar com metade de um time de rugby. Se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida de seminômade foi a importância de saber com quem você divide um teto.


Em um ano, não rolou nenhuma briga aqui nessa casa. Mas nem o menor dos desentendimentos. A gente não tem escala de limpeza, mas a casa tá limpa. Não temos escala de mercado, mas sempre tem comida. Um lava a roupa do outro, pendura, recolhe, dobra e deixa bonitinha em cima da cama. Louça nunca foi problema e, se acontece de acumular uns pratos de uma noite pra outra, ninguém mete o loko pra cima de ninguém, porque a gente entende que de vez em quando o frio ou a pressa pesam mais do que a misofobia. As contas tão pagas, as plantas tão florescendo, a cachorra tá feliz, sadia e cheirosa.


Se tem uma coisa que eu aprendi é o peso de uma casa.


Eu já morei em casinha de fundos que alagava, em apartamento de classe média, em chácara, flat, pensão, perifa, centro, em moradia estudantil, no Egito, Palestina e até no Taboão da Serra. Cada cama, cada chave, cada janela nova é um conto, uma era, uma cicatriz, como os riscos de faca marcando seu crescimento no batente da casa da avó ou talvez no seu braço. Nem toda casa é um lar, mas é sempre um capítulo.


Sentir-se em casa é um sentimento raro.


Quando morava na pensão, me sentia em casa na rua. Quando vivi no apartamento da minha madrinha, minha casa era o Madame Satã. Em um lugar, minha casa era a praça; em outro, a biblioteca. No Cairo eu me sentia um bicho sujo no meu apartamento, mas os cafés de rua, com seus narguilés e futebol e gritos e gatos sarnentos, foram meu escritório, meu confessionário e um dos lares mais aconchegantes que conheci. Algumas casas foram relacionamentos difíceis, cheias de lembranças e esperanças, mas que no fim me faziam mal. Certa vez dormi em uma esteira de palha que ainda habita em mim como um palácio de paz.


Nem todo lar é uma casa, nem toda casa é um lar. Nesta sina cigana, aprendi que é muito raro se sentir em casa na casa em que se vive. É preciso aprender a arquitetar abrigos.

Tem sido um ano bom.

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