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  • Foto do escritorPlínio Zuni

Pokémon Go, ou, O Que Aprendi Como Juiz Corrupto de Rinha Nerd

Na época eu tinha dezessete anos e dividia um quarto de pensão com dois missionários mórmons cariocas. Tinha arranjado um emprego em uma locadora de games, logo no comecinho da era das lan houses.

Pokémon Go, ou, O Que Aprendi Como Juiz Corrupto de Rinha Nerd

Era um sobradinho bacana, colava todo tipo de molecada, inclusive uma classe média que se achava alta e fina. No fundo da loja, ficava uma sala com televisões e videogames, além de mais uma dúzia de computadores pra uma turba imberbe equilibrando testosterona brincar de soldado.

Pois que nessa época foi lançado aquele jogo de cartas pokémon, vocês devem se lembrar. Existia inclusive uma Liga Pokémon Oficial, e alguns pontos de venda autorizados, como a locadora em questão, podiam se registrar como Ginásios de Batalha. E foi assim que, todas as quintas-feiras, eu passei a fazer um extra noturno como juiz de rinha de nerd.

Toda primeira segunda feira do mês chegava na loja um pacote de Insígnias oficiais, cadernetas e carimbos para registrar as estatísticas dos jogos, que ficavam sob a minha zelosa tutela. A molecada tinha que ganhar batalhas pra preencher a cartela e ganhar a insígnia. Se não completasse a tabela carimbada e assinada, o jogador só poderia ser considerado um Mestre Pokémon de verdade verdadeira mesmo no ano seguinte, quando a roda girasse novamente.

Colega, você não imagina o que os boy faziam por esses broches. Foi uma época muito doida, a molecada se afogava no jogo, enchiam os cornos de doritos com chocolate e perdiam o prumo. Apostavam promissória da mesada, xingavam a mãe, saiam no tapa, choravam na mesa, imploravam pra a gente não baixar a porta da loja. Era feio de ver. E quando virava o mês e os carimbos na cartela não batiam a cota da medalhinha, rapaaaaiz…

Então, como previu Bakunin, eu fiz o que sempre faz quem tem poder nas mãos e nenhum respeito pela função que exerce.

Antes que vocês me julguem, vamos lembrar que o salário mínimo da época era duzentos e quarenta misérias, o aluguel do meu beliche era cem reais por mês e camarão que dorme a onda leva. Também não dá pra dizer que eu estivesse fazendo nenhuma fortuna com contrabando de medalhinha, nem que tivesse necessariamente espoliando a burguesia. Deu foi pra pedir umas pizzas e eu fiquei bem feliz.

Talvez seja importante frisar neste ponto, caso você já esteja já desconfiando, que a minha história não tem nenhuma lição de moral lacradora nem é um exemplo de superação e luta. Também não vai propor um modelo de análise da micropolítica por trás das relações entre indústria cultural e mercantilização da alienação através de uma engenhosa porém sutil fábula do efêmero cotidiano. Por favor, não me leve a mal, mas talvez eu esteja só te fazendo perder um pikachu dando bobeira por aí.

Enfim, parecia um bom negócio pra todo mundo. Os papais e mamães estavam felizes porque tinham uma creche barata pra os pré adolescentes queimarem aquele excesso de ritalina.

É bem verdade que a garotada não estava necessariamente praticando um esporte, nem aprendendo filosofia, nem contribuindo para a cadeia produtiva da nação, nem desenvolvendo nenhuma capacidade útil ou minimamente interessante. Por outro lado, também não estavam roubando o cartão de crédito dos pais pra comprar pornografia online, nem tentando chocar a sociedade com dramas emocores ou pseudo-rebeldia ultraconservadora pré-adolescente fútil e contraditória, então dá pra chamar de “equilíbrio”.

E eu estava pagando as minhas pizzas.

Todo mundo feliz.

E pode até ser que houvesse uma pitada de parasitismo nessa pequena extorsão marota em cima das ilusões coloridas criadas por um sistema alienante capitalista de imperialismo cultural pós-moderno tão poderoso que até hoje mantém as mentes dessas vítimas presas em um ciclo vicioso de nostalgia, infantilização, escapismo e frustração… mas, nada que um pouco de peperoni, muzzarela e borda recheada de catupiry não ajudem a esquecer.

Eu avisei, nada de grandes lições de sabedoria aqui.

Enquanto isso você está aí, procurando pokémon no celular, enquanto podia, sei lá, estar fazendo umas planilhas pro seu chefe não ler, ou correndo em círculos num parque, fingindo que está bem satisfeito por esperar a morte de um jeito limpinho. E tem uma penca de gente avisando que você vai ser assaltado, a CIA vai te espionar, é tudo parte do golpe, é anti-vegano, panis et circenses, seu cérebro vai derreter, as bibliotecas vão virar McDonalds, a juventude está perdida, todos estão cegos, ninguém mais se importa, a revolução não será televisionada, porque você está gerando infinitilhões de dólares pra uma multinacional que fabrica armadilhas publicitárias com pelúcia e plástico de descarte hospitalar usando trabalho semi-escravo em um canto esquecido do terceiro mundo, e jesus está de xico por causa por causa do seu joguinho pagão.

Difícil é encarar o fato de que provavelmente boa parte dessas afirmações são verdadeiras e inescapáveis. Mais difícil ainda é se deparar com essa amarga constatação da realidade e, ainda assim, não sucumbir às drogas pesadas, caça de pokémons, maniqueísmo ideológico ou qualquer outra fuga simples e mais saudável do que se conformar de uma vez por todas com a pokébóla de bosta que é o mundo capitalista e, finalmente, decidir deitar a cabeça no trilho de um trem.

Ou talvez você seja um intelectual iluminado, verdadeiro revolucionário imune aos poderes coercitivos da indústria de massa. Por alguma razão maso-altruísta, você está desperdiçando seu tempo com esse rebanho de alienados, enquanto podia estar, sei lá, desvendando as sutilezas metafísicas da poética sufi, ou desenvolvendo a vacina pra histeria coletiva virtual que vem destruindo famílias brasil adentro. E eu imagino que você esteja muito orgulhoso de si por ter desvendado a matrix e mantido sua mente pura diante dessa epidemia zumbi, e agora quer que todos nós nos libertemos também. Claro, campeão, você tem toda a razão em se sentir sufocado por essa fantasia cor de rosa cheirando a chiclete que encobre a realidade nua e crua e afoga em futilidade todo o incrível potencial criativo do ser humano. Então, você assume pra si o fardo de denunciar o colapso da civilização contemporânea, condenado a repetir novamente a mesma crítica que já fez sobre vídeos de gatinhos, selfies, netflix, astrologia e filmes de super-herói, num vórtice infinito de textões de facebook. Parece angustiante. Sorte a nossa poder contar com seu sacrifício para nos salvar de nós, que não sabemos o que fazemos.

Mas não me dê atenção, afinal, eu sou só um juiz corrupto de joguinho de pokémon, e ninguém pediu a minha opinião.


Pokémon Go, ou, O Que Aprendi Como Juiz Corrupto de Rinha Nerd

Acho que, se fossemos tentar forçar uma lição de moral meio mambembe aqui, seria que, se você faz parte do sistema, seja em uma ponta ou outra, provavelmente está sendo feito de otário de algum jeito. Essa é, fatalmente, a porca miséria que torna inegável e importantíssimo todo o rol de apocalipses político-sociais que os mensageiros do zeitgeist estão heroicamente vomitando nas nossas timelines. Aceita, é a vida. E entender isso não te impede de continuar se alienando como quiser, fugir da realidade e viver pra sempre num mundo de pixels e pizza delivery. Afinal, quem sou eu pra julgar as suas prioridades? E me parece que não há nada que te impeça de ser um bolchevique contemporâneo, usando o joguinho como se fosse a vodka pra aguentar o inverno na trincheira.

Ou não, tanto faz, olha lá um pikachu te dando mole.

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