Poema em homenagem à Marcos Vinicius, menino 14 anos de idade, morador da favela da Maré que, numa trágica manhã, acordou atrasado para a aula e foi assassinado pela polícia carioca
Marcos Vinicius não chegou na escola
acordou atrasado, vestiu o uniforme, beijou a mãe
atravessou correndo as quebradas estreitas da Maré
mas tinha uma guerra no caminho
tanques, helicópteros
e mais de cem soldados
apartando Marcos Vinícius
enquanto a televisão mostrava o apartheid
em outro canto do continente
— crianças enjauladas na Terra da Liberdade
apartadas de seus pais
pelo American Way of Life —
a nossa nação se revoltava
contra a injustiça
da derrota na copa
Marcos Vinicius só queria ir pra escola
Mas no caminho estava o delegado Amin
Que ameaçou pela televisão:
"Nós vamos caçar vocês
onde quer que estejam
não adianta
facebook nem
criança baleada
se vocês resistirem
vamos manchar o ambiente com o
sangue sujo
de vocês"
Marcos Vinicius queria dizer “presente!”
gostava das aulas de geografia
talvez aprendesse nelas
os nomes da fome
como nascem as favelas
o que o Capital come
as contradições do contrato social
algo sobre si
e oxalá um dia se tornasse geógrafo!
ou quem sabe presidente, poeta, pedinte
militante anarcossindicalista
um célebre neurocirurgião
acionista do tesouro nacional
vereador reacionário
pai de família
ou, se o mundo é mesmo redondo e irônico
o menino até entrasse pro tropa...
Marcos vinícius queria um caminho
mas tinha um soldado buscando vingança
ufanando um fuzil varonil
ostentando no peito o pendão da matança
ecoando o hino da torcida do brasil:
UH MILITARES! UH MILITARES!
NOSSA BANDÊRA JAMAIS SERÁ VER-ME-LHA!
SAAAAANGUE! EU QUERO É SAAAAANGUE!
BANDIDO BOM É BANDI-DO MÔ-RTÔÔ!
POW POW POW POOOOOOOOOOW!
DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃÃÃÃE GENTIL
PÁTRIA ARMADA
BRAZIL-ZIL-ZIL®!
tinha um patriota no caminho de Marcos Vinicius
o futuro da nação
carregava uma mochila pesada
mas os livros não serviram de nada
contra as balas do governo
“Ele não me viu com a roupa da escola, mãe?”
a ambulância queria salvar Marcos Vinicius
mas tinha polícia no caminho
mandaram desviar pela Avenida Brasil
não deu tempo
“A bala estragou tudo por dentro
não ficou nada.
A única coisa que ficou foi a pressãozinha dele
que foi caindo...”
o prefeito cristão abriu o Palácio da Cidade para o enterro
declarou para os jornais que não é hora de buscar culpados
apenas chorar
e quando as crianças saíram da escola pras ruas
pedindo pacificamente por justiça
apareceram policiais encapuzados
e atacaram com pedaços de pau
haviam caminhos em meio a maré
mas o bandeirantes tardios
mandaram erguer muros,
celas, fossos, covas
e avisaram que se alguém discordasse
eles iam manchar as mãos
no sangue sujo
dos bastardos deste Estado.
haviam caminhos
mas a pátria é um apedrejamente
alegando legítima defesa
da honra, moral e dos bons costumes
a bandeira nacional
é a camisa ensanguentada
de uma criança
Comments