top of page

TEXTOS

  • Foto do escritorPlínio Zuni

No céu se anuncia uma distopia: não veremos país nenhum

De tudo que já li, pouquíssima coisa me assustou tanto quanto a distopia de eco-catástrofe "Não Verás País Nenhum", do Ignácio de Loyola Brandão.

No céu se anuncia uma distopia, não veremos país nenhum

O livro apresenta um Brasil apocalíptico, no qual a devastação ambiental levou à completa extinção da fauna e flora. A Amazônia tornou-se um imenso deserto, e agora é vendida pelo governo como "A nona Maravilha do Mundo". A pouca água que resta (basicamente urina reciclada) é racionada, e fichas d'água são a moeda corrente do mercado clandestino. Todos os alimentos passam a ser sintéticos. Em decorrência da poluição e infestado de químicos tóxicos, o povo torna-se terrivelmente doente. Pessoas ficam cegas, perdem as orelhas, descamam a pele, surgem epidemias de cânceres agressivos como uma peste medieval. As taxas de esterilidade sobem vertiginosamente, e as poucas crianças que vingam já nascem deformadas ou deficientes.

O Sol é símbolo de morte.

Esse Brasil é dominado pelo Esquema, um governo formado por Militécnicos e Civiltares. Esse grupo pratica o ultra-liberalismo, retalhando e vendendo todos os recursos do Brasil às multinacionais que praticam o novo imperialismo globalista, ao mesmo tempo em que emprega uma retórica de patriotismo, ultra-nacionalismo e progressismo. O Esquema mantém a ordem através de extrema vigilância, censura e violência, repressão física, cerceamento econômico, perseguição política e todo tipo de opressão, das mais evidentes às extremamente sutis. Mas o mais eficiente método empregado pelos militécnicos é o uso do controle ideológico, violência simbólica e banalização do absurdo, que levam as pessoas a aceitarem a nova realidade e se sujeitarem passivamente ao Esquema.

Eu tinha vinte anos quando li esse romance. Na época, tive pesadelos em que eu andava pela São Paulo do livro. Me esgueirava em filas nas calçadas de cada distrito da cidade, fugindo dos Civiltares e delatores à painasa; atravessava o cemitério de automóveis do Grande Congestionamento; caía de joelhos no Vale dos Pássaros de Pó; me arrastava entre a miséria e pestilência dos Acampamentos Paupérrimos; e acabava preso sob a Grande Marquise, esperando que o Sol finalmente fulminasse a todos nós.


Naquela época, esse livro me apavorou. Mas ainda parecia ser só uma história.

No céu se anuncia uma distopia, não veremos país nenhum

Ontem a morte da Amazônia eclipsou o céu da metrópole. Há dezesseis dias Rondônia está em chamas, e os latifundiários do Pará decretaram o Dia do Fogo para mostrar lealdade e dedicação ao verme presidencial. O Inferno sente inveja de Altamira. E o Esquema que nos domina se fortalece a cada nova catástrofe. Eles zombam da destruição que causam. Se orgulham dos genocídios indígenas. Envevenam nossa comida, nossa água, nossos corpos e mentes. Nos vendem como gado às multinacionais. Adulteram as notícias, proíbem as pesquisas, censuram as vozes que denunciam, perseguem e eliminam toda dissidência. E nós – atônitos, assustados e exaustos – acabaremos amontoados embaixo de uma grande marquise de concreto, aguardando que o sol nos fulmine de uma vez.

Ontem eu li uma distopia no céu.

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page