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TEXTOS

  • Foto do escritorPlínio Zuni

Foi um ano de Claro Enigma.

Como se palmilhassemos vagamente uma estrada pedregosa e, no fecho da tarde, um sino rouco se misturasse ao som de nossos sapatos, escureceu. Aves pairando no céu de chumbo, lentamente se dissolvendo na escuridão maior.

Foi um ano de Claro Enigma.

Abateu-se sobre nós uma noite mais dura que as pedras que tínhamos desde há tanto encontrado no meio do caminho, e com ela brotava uma ordem nova de seres e coisas. O choro pânico do mundo.

Concentrou-se no ar, hesitante, um fim unânime. E ao rubor dos incêndios que consumiam a terra, uma outra chama surdamente lavrava nossa vida. Uma a uma, disjecta membra, deixava palpitantes e condenadas no solo ardente, porções de nossas almas. Translúcido vazio interior, tornando-nos tão pobres e carecidos de emitir sons agônicos e absurdos. Ranger de corações pulverizados.

Alargou-se, mais vasto que o céu, o vazio de quanto amávamos. E o próprio amor se desconheceu e maltratou. O próprio amor se escondeu, ao jeito dos bichos caçados, elidindo a face, incerto de ser amor.

Braços cruzados. Pupilas gastas na inspeção contínua do deserto. A mente exausta de mentar toda uma realidade debuxada nos abismos. Para atravessar a noite, aspiramos à indiferença, pausada o bastante para sustentar a vida na sua indiscriminação de crueldade e diamante. Calcamos em nós, sob o profundo instinto de existir, outra mais pura vontade de aniquilar a criatura. E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco. Corpos livrando-se das almas em busca de uma paz destroçada.

Embalamos a desilusão numa cantiga de enganar, crentes de que mundo já não nos enganava. De que toda história é remorso. De que mundo, meu bem, não vale o mundo. Afinal, esses monstros atuais, não os cativa Orfeu.

Então, calamo-nos.

Frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados. Apenas uma forma impura de silêncio.

Mas o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono selam em seu negrume a chama que dorme em nós. Dilacerando.

Resta, perdida no ar, uma particular tristeza a imprimir seu selo nas nuvens.

Na noite do sem fim, que legado nos dará esse país?

Essa rosa, vai durar mil anos ou extinguir-se na cor do galo?

Me diga, Carlos: quando virá o dourado da Praça do Rosário?

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