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TEXTOS

  • Foto do escritorPlínio Zuni

Escrever uma história de amor bonita é a coisa mais dolorida que existe

Não sei se é só falha minha ou se é uma dessas verdades universais que a gente descobre como quem bate distraído o nariz numa porta de vidro, mas o caso é que escrever uma história de amor bonita é a coisa mais difícil que existe.

Escrever uma história de amor bonita é a coisa mais dolorida que existe

Não é o caso de escrever uma história de amor melosa ou uma tragédia passional, que isso eu vomito pilhas em pedaços de guardanapo toda vez que tomo um fora ou dois conhaques ouvindo Fagner. Mas uma história de amor sem os clichés das histórias de amor, que dispense grandes reviravoltas, mocinha e bandido ou uma lição de moral chinfrim, uma história de amor que seja simplesmente só bonita, é um horror de se fazer.


Não é que eu não tenha tido histórias de amor, e muito menos que não fossem bonitas. Até que amei bastante, e pensar nesses amores sempre me faz sorrir sozinho, principalmente quando esbarro em bilhetes guardados no meio de um livro, ou nos domingos de sol enquanto tomo um café mais demorado. Mas é que é realmente difícil escrever uma história de amor sem tropeçar numa pilha de ‘mas’ e ‘poréns’ espalhados pelo chão.


Já escrevi de tudo. Crônica, artigo acadêmico, textão, diálogo teatral, narrativa epistolar, fábula, conto, microconto, nanoconto, história de vingança, dor, violência, perda, esperança, tragicomédias travestidas de fábula pós-modernas e todas as outras possibilidades de amor escangalhado. Tem tudo, menos uma história de amor que fosse só bonita.


Não foi falta de vontade. Parece um pouco besta, eu sei, querer falar de amor sem conflito, utopicamente intenso e sedoso. É brega e até meio ingênuo. Mas existem muitas razões para os clichés mais bregas, para as utopias ingênuas e amores só bonitos. Além do que, o amor é ridículo, não sou eu quem faz as regas...


O problema é que eu não é necessariamente o amor, e sim o fato de que eu não tenho nenhuma dificuldade para pensar em histórias de monstros marinhos e viagens à outra dimensão tanto quanto nos mais surreais sofrimentos diários dos amigos e apocalipses politico-socias. É fácil pensar no absurdo, no fantástico, horrível, quando se tem um referencial humano, terreno, factual. Mas se não for possível imaginar uma história de amor sem pedras e lágrimas, e se não consigo sequer me lembrar de ter visto ou lido algo assim que não fosse propaganda de margarina ou de modelos de servidão romantizada, então talvez um amor simplesmente amável esteja pra além do impossível. Afinal, o inexistente é, no máximo, algo ainda a ser criado, enquanto que o inimaginável é inexistível.


Eu só queria poder abrir um parênteses no final, um P.S. ou nota de esclarecimento garantindo que nenhum personagem foi morto ou maltratado na feitura daquela história. Mas e o autor, como é que fica?


No fim, acho que não se permitir sofrer é a ilusão mais sofrida numa história de amor que parece bonita.

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1 comentario


Laís Reis
Laís Reis
05 jun 2020

História de amor é difícil e, quando bem feita, a gente que lê fica se sentindo meio lixo depois. Difícil pro autor, difícil pro leitor. As histórias de amor que eu mais gosto são aquelas de finais tristes, talvez porque é bonito ver o amor morrendo também. Toda história com casal perfeito é meio pé no saco mesmo e não sei se funciona, meus avós, por exemplo, ficaram casados mais de 50 anos e brigavam demais, rsrsrs. Talvez seja por isso que funcionou. Mas, talvez porque não idealizaram um amor de Hollywood. Talvez o que a gente possa pensar, Zuni, é que amor talvez não seja só um casal se amando. Os gregos mesmo já definiam três tipos de amo…

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