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TEXTOS

  • Foto do escritorPlínio Zuni

Escrever é um troço meio triste

Drummond disse que escrever é triste, e acho que ele estava certo.

Escrever é um troço meio triste

Desde que me lembro, a primeira coisa que quis na vida foi ser escritor. Ao longo do tempo, quis ser cientista&escritor, fotógrafo&escritor, vagabundo&escritor, ativista&escritor, escritor&eu. O primeiro conto que me lembro de escrever, aí por volta dos dez-onze anos, era sobre pesadelos de guerra de um soldado. Esse pedaço de papel já não existe faz muitos anos, e devia se parecer muito com os clichés que aprendíamos nos desenhos animados feitos pra vender brinquedos e adestramentos nas manhãs de TV aberta, mas lembro que a sensação foi boa.

Escrevi pilhas de cadernos que mofaram e morreram nas muitas casas que ficaram pra trás. Publiquei um blog de contos, um texto em uma coletânea péssima, uma crônica em uma revista dessas que se distribuem gratuitamente em portas de universidades junto com flyers de baladas e promoções de xerox para estudantes, mas não virei escritor. Estudei Jornalismo e depois Letras, quase como que por consolação, como um desses malucos que perseguem astros do rock pra lamber de suas pegadas as migalhas do talento.

Uns com tanto, outros com tão pouco…

Mas o tempo me ensinou que escrever é triste, porque não é sobre livros publicados ou noites de autógrafos. Não digo, com isso, que quem escreve não o faça por vaidade, claro que não. Mas a vaidade é triste, ainda que necessária, porque é reboco cuspido sobre rachaduras, áspera e indisfarçável. Defende as fendas do vento, mas não desfaz a ferida. Só disfarça.

Escrever é isso.

Escrever é uma coisa um pouco triste, porque quem escreve soluça silêncios, sangra sozinho numa folha as ânsias e alegrias não ditas em voz, seja por falta de ouvidos, seja por falta de estômago. É o caldo de jornais caminhados, passeios lembrados, memórias relidas, angústias e medos: O Medo de não entender, de não ser entendido, de que os outros não entendam o que você entendeu sobre o que eles talvez nem queiram entender. E então escreve-se, quase como que por consolação. Mais um desses malucos que perseguem palavras como que pra lamber de suas pegadas as migalhas de sentido que sobram às histórias e faltam aos viventes.

Uns com tanto…

Escrevo como quem caça migalhas. Meus cadernos, enfadados de mim, ouvem mas não respondem. Então mostro pra o mundo meus soluços e poemas, análises de conjuntura política e as opiniões que ninguém me pediu, com o mesmo entusiasmo e receio que tive aos dez-onze anos quando mostrei pra minha mãe meu primeiro conto. Um desses malucos que perseguem leitores como que pra lamber de suas pegadas migalhas de compreensão.

Tão pouco…

Queria dizer que escrevo por um motivo mais nobre, livre de arrogâncias e carências, mas a verdade é que passar os dedos pelo teclado é uma consolação. Escrever em cadernos e deixar a poeira germinar é gritar embaixo d’água, enquanto que esse novo mundo de sociedades e amores líquidos concede a concretude do eco na resposta virtual de um clique.

É pouco, mas é tanto…

Acho que escrevo porque é solitário estar longe. E não falo do fato de estar escrevendo num quarto no Cairo, não, nada disso. A lonjura das pessoas não se mede como a das coisas. Não em quilômetros, mas em fotografias na parede. Não em dias, mas cervejas no fim de um dia ruim. Não em distâncias, mas em presenças.

Escrevo como quem deixa pegadas para ser encontrado.

Escrever é triste, porque é uma tradução resmungada e imprecisa do que não deveria precisar ser dito, como é triste pensar sem poder dizer, sentir sem beijar, acordar.

Mas é uma tristeza bonita demais…

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